Ligação gênica

A ligação gênica é o fenômeno em que dois ou mais genes estão localizados próximos um do outro em um mesmo cromossomo, e, portanto, são herdados juntos com uma frequência maior do que o esperado se eles fossem independentes. Esses genes são transmitidos como uma unidade, em vez de serem distribuídos independentemente na formação de gametas.  A permutação é outro fenômeno em que ocorre a troca de genes de um mesmo locus entre cromossomos homólogos durante a meiose, o que pode afetar a combinação dos alelos nos gametas produzidos. 

Ligação gênica e permutação


Em 1908, os cientistas Bateson e Punnet estudaram cruzamentos entre ervilhas-de-cheiro e observaram uma discrepância em relação às leis de Mendel. Ao cruzar ervilhas-de-cheiro puras de flor púrpura e pólen oval (PPLL) com as de flor vermelha e pólen esférico (caracteres recessivos – ppll), obtiveram na geração primeira geração o resultado esperado: 100% de flores púrpura e pólen oval. No entanto, a segunda geração apresentou um resultado muito diferente do di-hibridismo mendeliano.

Como vimos até agora o di-hibridismo mendeliano prevê uma proporção de 9:3:3:1. Este resultado esta representando na primeira coluna da tabela abaixo, onde a maioria da das plantas tiveram fenótipo "púrpura e oval", em quantidade intermediária foram as plantas com os fenótipos "púrpura e esférica" e "vermelha e oval", e a minoria das plantas tiveram fenótipo "vermelho e esférico". No entanto, Bateson e Punnett tiveram um resultado diferente do esperado para o di-hibridismo mendeliano, pois o fenótipo "vermelho e esférico" foi maioria em relação aos fenótipos "púrpura e esférica" e "vermelha e oval".  Observe a tabela abaixo.

Eles levantaram a  que os gametas PL e pl estavam em maior quantidade devido a um "acoplamento" entre os genes dominantes P e L e os genes recessivos p e l. No entanto, não conseguiram explicar o fenômeno.

Foi apenas com o estudo da herança em drosófilas pelo geneticista estadunidense Thomas Morgan e seus colaboradores que foi possível explicar o resultado. Descobriu-se que os genes responsáveis por essas características estavam no mesmo cromossomo, o que significa que as características estavam ligads. Esse fenômeno é conhecido como ligação gênica. Veja a imagem abaixo.

Dois pares de alelos localizado em cromossomos homologos

Dois pares de alelos localizado no mesmo cromossomo

Quando os pares de alelos estão situados em cromossomos homólogos distintos, um indivíduo di-híbrido produz quatro gametas diferentes na mesma proporção. Veja a primeira ilustração abaixo. Mas, quando os dois pares de alelos de características diferentes estiverem situados no mesmo cromossomo, o híbrido deve produzir apenas dois tipos de gametas. Veja a segunda ilustração abaixo. Quando isso acontece, dizemos que há uma ligação completa entre esses genes.

Segregação independente de alelos em pares de cromossomos homologos diferentes

Segregação de pares de alelos situados no mesmo cromossomo

Os tipos de gametas


Quando dois alelos de características diferentes estão localizados no mesmo cromossomo, eles normalmente são transmitidos juntos para o mesmo gameta durante a meiose, resultando em uma ligação completa, como explicado a cima. No entanto, esse não é sempre o caso, já que pode ocorrer uma permutação cromossômica, também conhecida como crossing-over. Esse processo envolve a troca de partes entre as cromátides homólogas dos cromossomos.

Durante a prófase da primeira divisão da meiose, os cromossomos homólogos duplicados se emparelham e formam um conjunto de quatro cromátides. Em determinado momento, pode ocorrer uma quebra das cromátides e uma subsequente troca de pedaços de cromátides homólogas. Quando isso acontece, um alelo situado acima do ponto de quebra se desliga de outro alelo situado abaixo desse ponto. O resultado são gametas que podem ser recombinantes, com uma combinação de alelos diferente da dos cromossomos dos pais (ou seja, ligação parcial ou incompleta), ou não recombinantes, com a mesma combinação de alelos encontrada nos pais.


Observe a ilustração abaixo que, em consequência da permutação, dois alelos originalmente ligados podem separar-se e migrar para gametas diferentes. Nesse caso, na meiose se formarão: 


É importante ressaltar que a quebra e a troca de pedaços acontecem ao acaso, em qualquer ponto dos cromossomos. Desse modo, os gametas de recombinação só se formam quando a quebra ocorre no trecho entre os locus onde estão os genes em questão. Caso a quebra ocorra fora desse intervalo, os gametas de recombinação não serão formados. Portanto, nem todas as meioses resultarão em gametas de recombinação.


Podemos entender por que um híbrido para dois pares de alelos em um mesmo cromossomo, representado por AB/ab, produz geralmente uma maior porcentagem de gametas parentais (AB e ab) em comparação com gametas de recombinação (Ab e aB). Os gametas parentais sempre são produzidos, independentemente da ocorrência de permutação. Já os gametas de recombinação só surgem quando há permutação entre os dois genes em questão.

Cálculo da taxa de permutação


Atualmente, é consenso científico que a probabilidade de permutação entre dois locus situados no mesmo cromossomo é maior quanto maior a distância entre eles. Além disso, a quantidade de gametas formados por recombinação também aumenta com a distância entre os locos. Pois entre dois alelos distantes existe mais espaço entre eles, então existe maior chance de ocorrer um crossing-over nes espaço. 

Assim a frequência de recombinação pode indicar a distância relativa entre os genes: quanto mais distantes estiverem os genes, maior será a frequência de recombinação. Convém notar que a taxa máxima de permutação é de 50%, pois corresponde a 100% de meioses com permutação. Nesse caso, os resultados não se distinguem dos gametas produzidos por genes em cromossomos diferentes. 

Quando os pontos estão distantes, há mais "cruzamentos" entre eles do que quando estão próximos. Mas para entender essa medida, é preciso saber que a chance de cruzamento entre dois pontos pode ser baixa em uma célula, mas em muitas células é mais provável que aconteça diversas vezes. Por isso, a medida que importa é a média de cruzamentos em uma determinada região do cromossomo. Essa ideia é tão importante que existe uma definição formal: a distância entre dois pontos no mapa genético de um cromossomo é o número médio de cruzamentos entre eles.

Uma forma de entender melhor essa definição é através de um exemplo: imagine que temos 100 células em processo de divisão celular, chamado de meiose. Em algumas dessas células, não haverá cruzamentos entre os alelos A e B. Em outras, haverá um, dois ou mais cruzamentos. Ao final do processo, teremos 100 células reprodutivas, cada uma com um cromossomo que pode ter zero, um, dois ou mais cruzamentos entre A e B. Para calcular a distância entre esses pontos no mapa genético, basta fazer a média do número de cruzamentos em todos esses cromossomos. No exemplo, o resultado seria 0,42, veja  ilhustração abaixo.

Na realidade, não é possível enxergar diretamente cada ponto de cruzamento nos cromossomos resultantes da meiose. Para identificar sua existência, observamos a recombinação dos genes próximos a eles. Se houve recombinação de genes em um cromossomo, isso significa que ocorreu um ponto de cruzamento. Portanto, podemos contar os cromossomos que sofreram recombinação para saber quantos pontos de cruzamento houve.

Cruzamento teste e a taxa de recombinação


A proporção de gametas produzidos por um indivíduo di-híbrido pode indicar se os genes estão ligados ou não. Se o par de alelos estiver em pares de cromossomo homologos diferentes, irá produzir quatro diferentes combinações de zigoto, se os  pares de alelos estiverem no memos par de cromossomo homólogo, irá produzir apenas duas diferentes combinações de zigoto. Além disso, podemos determinar se ocorreu ou não recombinação entre os genes durante a meiose.

Outra maneira de confirmar se os genes estão ligados é através da realização de um cruzamento-teste com um indivíduo recessivo, que pode ser um retrocruzamento com um dos pais originais.

Por exemplo, se cruzarmos um indivíduo di-híbrido AaBb, que possui dois pares de alelos em cromossomos diferentes, com um indivíduo duplo recessivo aabb, veremos que quatro tipos de descendentes são produzidos (primeira ilustração). Quando os pares de alelos AB e ab estão no mesmo cromossomo e não ocorre recombinação durante a formação dos gametas, apenas dois tipos de descendentes com o mesmo fenótipo dos pais devem ser observados (segunda ilustração). Como resultado da ausência dos gametas Ab e aB, as chamadas classes de recombinação formadas pela recombinação de genes paternos e maternos estarão ausentes.

Morgan em seus estudos sobre drosófilas utilizou do cruzamento teste para encontrar a frequência de recombinações de duas características. Ele encontrou desvios em relação às proporções mendelianas em cruzamentos para duas características simultâneas. Por exemplo, em um cruzamento entre uma drosófila macho de corpo preto e asa vestigial e uma fêmea de corpo castanho e asa normal, foram obtidos 90 indivíduos de asa normal e corpo preto, 90 de asa vestigial e corpo castanho, 410 de corpo preto e asa vestigial e 410 de corpo castanho e asa normal. Veja a lustração abaixo. Se os genes estivessem em cromossomos diferentes, deveríamos esperar uma proporção fenotípica de 1:1:1:1, diferente da proporção obtida neste cruzamento-teste. 

Para explicar desvios desse tipo, Morgan sugeriu que os genes para as características estudadas – cor do corpo e tamanho da asa, no nosso exemplo – estariam no mesmo cromossomo e que no pareamento dos homólogos, durante a meiose, ocorria ocasionalmente uma troca entre as cromátides. Isso explicava o surgimento de indivíduos com novas combinações de características (corpo preto com asa normal e corpo cinza com asa vestigial, nesse exemplo). 

Morgan se valeu aqui das observações de vários pesquisadores em citologia relatando figuras em forma de X, que hoje chamamos quiasmas (minhas habilidades artisticas não contribuem para eu desenhar um quiasma. Pequisa por imagens na internet), nos pares de cromossomos. O quiasma acontece nos locais em que há permutação entre os cromossomos durante a meiose. O quiasma serviu, então, como uma evidência citológica de que houve uma permutação naquele ponto.

Para calcular a frequência de recombinações, é necessário identificar primeiro os indivíduos formados por recombinação, ou seja, aqueles resultantes dos gametas obtidos por permutação e que estão em menor número. 

Nos exemplos abaixo, formam-se dois grupos recombinantes, cada um com 90 indivíduos, resultando em um total de 180 indivíduos recombinantes. Como no cruzamento-teste a frequência de indivíduos recombinantes é igual à frequência de gametas produzidos por permutação, basta transformar esse número em porcentagem:

Em outra situação, suponha que A e B estejam ligados e ocorra uma taxa de permutação de 20% entre eles. Qual é o resultado do retrocruzamento do heterozigoto AB/ab com o homozygoto ab/ab?

A partir disso, a proporção genotípica esperada é de 40% AB/ab, 40% ab/ab, 10% Ab/ab e 10% aB/ab, ou seja, em uma proporção de 4:4:1:1. Veja a ilustração abaixo, as linhas escuras separam os pares de cromossomos nas célas masculinas e femininas.

É importante notar que, quando os alelos dominantes de dois genes estão presentes em um par cromossomo e os recessivos no outro par, ocorre a posição cis. Já na posição trans, os alelos ligados são um dominante para uma característica e o outro recessivo para outra característica. A diferença entre os dois casos pode ser facilmente identificada na representação genotípica, sendo AB/ab para a posição cis e Ab/aB para a posição trans. No entanto, alguns autores utilizam a mesma representação do di-hibridismo para ambos os casos de ligação, sendo a posição cis e a posição trans representadas por AaBb.

A diferença entre as posições cis e trans pode ser facilmente identificada por meio do cruzamento-teste. As classes de recombinação sempre serão as menos frequentes, sendo que na posição cis, os indivíduos duplo-dominantes e duplo-recessivos aparecem em maior quantidade, enquanto na posição trans, eles formam as classes de recombinação e aparecem em menor quantidade.

No entanto, quando todas as células que sofrem meiose realizam a permutação, não é possível distinguir os resultados de um cruzamento-teste entre um di-híbrido com genes ligados e um caso de segregação independente. Isso ocorre porque a proporção de descendentes em ambos os casos é de 1:1:1:1, já que o di-híbrido forma, nesse caso, 25% de cada um dos quatro gametas. 

Quando dois genes estão muito próximos, por exemplo, ocorre uma ligação completa entre eles, praticamente não havendo permutação (taxa de permutação = 0), o que se reflete em uma proporção de 1:1 no cruzamento-teste. Isso ocorre porque o di-híbrido (AB/ab) forma apenas dois tipos de gametas (AB ou ab), enquanto o indivíduo aabb forma somente o gameta ab. 

Se você chegou até aqui, você sabe como resolver varios tipos de cruzamentos. Se ainda tem dúvida volte na primeira lei de Mendel e reveja com calma e atenção. Nos próximos textos não vou fazer nem um quadro de Punnett, nem um  produto cartesiano, nem um binomio de Newton. Faça você mesmo.

Taxas de permutação e mapas genéticos: como saber onde o alelo esta localizado?


Conforme explicado anteriormente, Morgan observou que quanto mais distantes dois genes estiverem em um cromossomo, maior é a probabilidade de ocorrer permutação entre eles. Seu aluno, Alfred H. Sturtevant, então propôs que a probabilidade de permutação poderia ser usada para indicar a distância relativa entre dois genes. A partir da análise de vários cruzamentos realizados por Morgan e colaboradores, Sturtevant elaborou mapas genéticos baseados na frequência de permutação entre os genes. Por convenção, uma taxa de 1% de permutação corresponde a 1 unidade de recombinação (UR), também conhecida como centimorgan (cM) ou morganídeo, em homenagem a Thomas Morgan. Se dois genes apresentam uma taxa de permutação de 10%, sua distância relativa no cromossomo é de 10 UR (ou 10 morganídeos). Com base nas diferentes taxas de permutação entre os genes, é possível estabelecer sua posição nos cromossomos e montar um mapa genético ou cromossômico. 

Vamos ver como determinar a distância entre genes. Suponha que a taxa de recombinação entre os genes C e D é de 15% e entre C e E é de 7%. Para localizar os três genes no cromossomo, basta determinar a taxa de recombinação entre D e E. Se for de 8% (8 + 7 = 15), os genes estarão localizados no cromossomo conforme mostrado no primeiro diagrama abaixo; se for de 22% (15 + 7 = 22).

Quando dois genes estão muito distantes um do outro, pode ocorrer uma permutação dupla entre eles. Com relação à produção de gametas de recombinação, a ocorrência de duas permutações se anula, já que uma anula o efeito da outra.

Hoje, o uso de marcadores moleculares do DNA, análise genômica e outras tecnologias de DNA recombinante permitem a determinação da posição real dos genes. Essas técnicas fornecem um mapa físico com as distâncias indicadas em número de pares de bases e são importantes para a identificação de genes causadores de doenças na espécie humana. Foi possível estabelecer que a distância de 1 centimorgan, por exemplo, corresponde a cerca de 1 milhão de pares de bases nitrogenadas de DNA. No entanto, essa relação é apenas aproximada, pois a probabilidade de ocorrer uma permutação pode variar de uma região para outra do cromossomo. Por exemplo, a permutação pode ser inibida em regiões próximas ao centrômero.