Hereditariedade: as primeiras  teorias

"A Origem das Espécies" é um livro escrito por Charles Darwin e publicado em 1859, que apresenta a teoria da evolução por seleção natural. Esse livro é considerado uma das obras mais influentes na história da biologia, pois apresenta uma explicação científica para a diversidade da vida na Terra. Na época em que foi publicado, a teoria da evolução de Darwin causou grande controvérsia, já que contradizia muitas das crenças e ideias estabelecidas sobre a origem e a diversidade das espécies. No entanto, com o tempo, as evidências acumuladas em favor da teoria da evolução tornaram-se cada vez mais fortes e a teoria tornou-se amplamente aceita como uma das bases da biologia moderna.

Fixismo

No século 18 (1701-1800), o fixismo era o pensamento predominante, que acreditava que cada espécie teria surgido independentemente e permaneceria inalterada. O naturalista sueco Carolus Linnaeus, conhecido como Lineu, criou um sistema de classificação dos seres vivos baseado nessa ideia. Embora os fósseis fossem estudados na época, eles não eram vistos como evidência da evolução. O cientista francês Georges Cuvier, um dos fundadores da paleontologia, era fixista, mas observou a presença de espécies novas nas camadas mais superficiais da Terra e a ausência de outras espécies que estavam presentes nas camadas profundas, atribuindo isso a catástrofes naturais e migrações.

No entanto, alguns cientistas no campo da geologia, como o escocês James Hutton e Charles Lyell, defendiam ideias diferentes do fixismo, afirmando que as mudanças nas espécies podiam ser explicadas por mecanismos graduais, como as mudanças que ocorrem na Terra hoje. A partir do século XVIII, alguns cientistas começaram a defender a hipótese de uma transformação das espécies para explicar a diversidade e a existência de fósseis de organismos diferentes dos organismos atuais. O médico inglês Erasmus Darwin, avô de Charles Darwin, era um desses defensores, embora não tivessem apresentado um modelo para explicar o processo.

Lamarkismo

No início do século XIX, o naturalista Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck, propôs um mecanismo para explicar a transformação das espécies, expresso em detalhes em seu livro Filosofia Zoológica, publicado em 1809. Ele defendia que os organismos atuais surgiram de outros mais simples e teriam uma tendência a se transformar gradualmente em seres mais complexos, guiados por necessidades internas.

Embora Lamarck seja menos conhecido por ter sido um evolucionista que se opunha às ideias fixistas de sua época, ele é lembrado por suas duas leis: a lei do uso e desuso e a lei da herança das características adquiridas. A primeira lei afirma que um órgão se desenvolve com o uso e atrofia com o desuso, porém, isso é parcialmente verdadeiro, pois o ambiente só pode alterar as características do organismo dentro de certos limites predeterminados pelo gene (norma de reação). A segunda lei afirmava que o caráter adquirido seria transmitido aos descendentes, o que foi refutado posteriormente pela genética, pois apenas as modificações surgidas na linha germinativa são transferidas aos descendentes.

Embora as leis de Lamarck tenham sido refutadas pela genética, é importante situá-lo em sua época e valorizar sua contribuição para a ideia de que as espécies mudam e novas características podem ser transmitidas para novas gerações. Ele propôs uma teoria da evolução que, embora incompleta, foi um marco importante para a compreensão da evolução das espécies.

Darwinismo

Charles Darwin viveu durante o século 19, matriculou-se na Universidade de Edimburgo para estudar Medicina, pois vinha de uma família de médicos. No entanto, ele logo percebeu que não era sua verdadeira vocação e deixou a Universidade para estudar teologia na Universidade de Cambridge, na Inglaterra.

Após concluir seus estudos em teologia, Darwin foi convidado a participar de uma expedição a bordo do HMS Beagle, um navio da Marinha Real Britânica. A expedição tinha como objetivo inicial explorar a costa da América do Sul, antes de seguir para a Nova Zelândia e Austrália. A viagem durou quase cinco anos e Darwin visitou o Brasil duas vezes, tanto na ida quanto na volta. Ele passou por diversas cidades, incluindo Fernando de Noronha, Salvador, Recife, Abrolhos e Rio de Janeiro. Durante sua estadia no Brasil, Darwin ficou impressionado com a rica floresta tropical, mas ficou chocado com a escravidão.

Em sua passagem pela Argentina, Darwin descobriu fósseis de animais gigantes e estranhos que se pareciam com preguiças e tatus. Darwin enviou os fósseis para análise em Londres, onde foram identificadas semelhanças entre eles e as espécies de preguiças e tatus atuais. Isso fez com que Darwin questionasse por que esses animais gigantes desapareceram e seus descendentes sobreviventes se tornaram menores em tamanho. Ele concluiu que isso poderia ser explicado pela transformação das espécies a partir de ancestrais comuns, através da seleção natural e da descendência com modificações. Darwin também observou que animais da mesma espécie apresentavam variações de acordo com a região em que eram encontrados.

A viagem de Darwin às ilhas de Galápagos foi um ponto crucial em suas descobertas científicas. Ele notou que essas ilhas possuíam animais que não eram encontrados em nenhum outro lugar, incluindo iguanas marinhas, tartarugas de grande porte e várias espécies de aves, como os tentilhões. Darwin não prestou muita atenção aos tentilhões durante sua visita às ilhas, mas quando retornou à Inglaterra e consultou especialistas, descobriu que eles eram de espécies diferentes.

Darwin percebeu que as diferentes espécies de tentilhões nas ilhas eram muito parecidas com uma espécie semelhante de ave no continente vizinho, que vivia em um clima e ambiente diferentes dos das ilhas. Isso levou Darwin a concluir que as espécies do arquipélago não surgiram apenas nas ilhas e permaneceram imutáveis, como acreditavam os fixistas, mas sim que haviam se originado de espécies do continente, o que explicaria a semelhança entre elas. Com o tempo, essas espécies se diversificaram e se adaptaram às condições do ambiente, como o formato do bico, que estaria adaptado ao tipo de alimentação disponível em cada local.

A explicação de Darwin

A existência de fósseis sugeriu que organismos distintos haviam habitado a Terra no passado, levando muitos cientistas a pensar na modificação das características e na hereditariedade destas características modificadas. Durante sua viagem a bordo do Beagle, Darwin leu o livro Princípios de Geologia de Charles Lyell, que interpreta as mudanças geológicas como resultado de pequenas mudanças acumuladas ao longo de vastos períodos de tempo. Essa leitura fez Darwin hipotetizar que o mecanismo da evolução poderia ter semelhanças com a seleção artificial, na qual os seres humanos selecionam espécies animais e vegetais com características desejáveis para a reprodução e rejeitam as demais. A imagem abaixo ilustra um exemplo de seleção artificial, as diferentes espécies de couves, repolhos e brócolis tem como ancestral comum a mostarda-selvagem. A seleção artificial ocorre na maioria das vezes com intenção de obter espécies mais atrativas comercialmente.

Darwin pensou que a natureza poderia fazer o mesmo, selecionando determinadas características e, com o tempo, criando novas variedades de animais ou plantas.

Para responder à pergunta de como o processo de seleção natural poderia ocorrer na natureza sem a interferência humana, Darwin leu um livro do economista e clérigo inglês Thomas Malthus sobre populações. Malthus afirmava que as populações tendem a crescer em progressão geométrica, mas os recursos para sustentar os indivíduos (como o alimento) cresceriam mais lentamente em progressão aritmética. Esse crescimento acelerado de indivíduos levaria a uma escassez dos recursos necessários à sobrevivência ou reprodução da população.

Darwin concluiu que nem todos os organismos que nascem conseguem sobreviver ou reproduzir-se. Os indivíduos com mais oportunidades de sobrevivência seriam aqueles com características apropriadas para enfrentar as condições ambientais, tendo maior probabilidade de se reproduzir e deixar descendentes férteis. Nesse processo, as características favoráveis seriam preservadas e as desfavoráveis, destruídas. Darwin chamou esse processo de seleção natural, no qual as espécies podem diversificar-se e tornar-se adaptadas ao ambiente em que vivem ao longo de muitas gerações.

As baleias, por exemplo, surgiram da evolução lenta de mamíferos terrestres, seus parentes evolutivos mais próximos são os hipopótamos, num processo que levou cerca de dez milhões de anos. Embora as mudanças evolutivas sejam geralmente graduais, em algumas situações, podem ocorrer rapidamente. 

Em exemplo teórico pode ser visto na figura abaixo. A quantidade de ratos amarelo na população está aumentando ao longo das gerações, enquanto a de ratos pretos está diminuindo. Isso ocorre porque, nesse ambiente específico, as corujas localizam mais facilmente os ratos pretos do que os ratos amarelo, o que pode levar a população a ser formada apenas por ratos amarelos.

Darwin e Wallace

As conclusões de Darwin não foram imediatamente publicadas, já que ele continuou coletando evidências e trabalhando em sua teoria por mais vinte anos após sua viagem a bordo do Beagle. Ele afirmou que a única maneira justa e legítima de considerar a questão era tentando provar se sua teoria da evolução explicava várias classes amplas de fatos, incluindo adaptação, transformação das espécies, existência de fósseis e semelhanças entre organismos em ilhas e no continente.

Em 1858, Darwin recebeu um manuscrito de Alfred Russel Wallace, um cientista inglês, intitulado "A tendência das variedades de se afastarem indefinidamente do tipo original", que chegou às mesmas conclusões que ele. Um resumo do trabalho de Darwin e do ensaio de Wallace foram publicados em conjunto pela Linnean Society of London, mas não chamaram muita atenção.

Em 1859, a primeira edição do livro de Darwin, "Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, ou a preservação das raças favorecidas na luta pela vida" (mais conhecido como "A origem das espécies"), foi publicada. Embora alguns cientistas prefiram falar em teoria de Darwin-Wallace, Darwin é creditado por apresentar uma imensa série de evidências a favor de sua teoria, o que levou muitos cientistas a identificá-la mais com seu nome do que com o de Wallace. Além disso, Darwin tinha um maior prestígio científico e social na época.

O Darwinismo também contém problemas

Darwin propôs a existência de um parentesco evolutivo entre as espécies, incluindo a humana, embora essa ideia tenha sido inicialmente difícil de ser aceita. No entanto, a falta de uma teoria que explicasse a origem e transmissão das variações era um problema significativo. Darwin não podia explicar como novas características surgiam em indivíduos, já que a mutação genética e as leis da hereditariedade de Mendel ainda não eram conhecidas na época. Além disso, a teoria da herança misturada, que prevalecia na época, argumentava que as novas características se misturariam com as características anteriores ao longo das gerações, tornando difícil a evolução.

Embora Darwin tenha admitido que, em alguns casos, a herança dos caracteres adquiridos poderia ocorrer juntamente com a seleção natural, ele não pôde fornecer evidências suficientes desses mecanismos. Como resultado, muitos cientistas permaneceram céticos em relação à teoria da evolução por seleção natural.

Os argumentos contra a teoria de Darwin incluíam a ideia de que não era possível observar a transformação de uma espécie em outra, que os fósseis eram o resultado de grandes catástrofes que extinguiram as espécies do passado e que as espécies eram perfeitas e imutáveis. A ideia de que a espécie humana tinha surgido por evolução de outros animais era ainda mais difícil de aceitar.

No entanto, no início do século XX, houve uma síntese entre o darwinismo, as leis de Mendel e o conhecimento das mutações, que levou à teoria sintética da evolução. Essa teoria é aceita consensualmente pela comunidade científica atualmente, com muitas evidências que a apoiam. Além disso, muitos novos fenômenos e mecanismos evolutivos, além da seleção natural, foram descobertos e continuam sendo estudados. É importante lembrar que fatores culturais e sociais podem influenciar a aceitação de novas ideias científicas, como no caso da teoria da evolução de Darwin.