Hereditariedade de caracteres modificados I

A Teoria Sintética da Evolução, também conhecida como Neodarwinismo, é uma síntese de diversas teorias sobre a evolução que surgiram a partir do início do século 20 (1901-200). Ela unifica a teoria da evolução de Darwin, que propôs a seleção natural como o principal mecanismo de evolução, com as novas descobertas da genética que surgiram no início do século 20. A teoria sintética da evolução enfatiza que as variações genéticas aleatórias que surgem nas populações são a fonte de novas características e que a seleção natural é o mecanismo que determina quais dessas características se tornam mais comuns ou desaparecem. A teoria também enfatiza a importância da deriva genética, a qual pode ter um papel significativo na mudança de frequências gênicas em populações pequenas. A teoria sintética da evolução é amplamente aceita como a explicação mais abrangente e coerente da evolução biológica até o momento. Ela tem sido fundamental para o desenvolvimento de diversas áreas da biologia, incluindo a ecologia, a biologia molecular e a biotecnologia.

A descoberta dos genes e das mutações

Em 1900, as leis de Mendel foram redescobertas por três cientistas: Correns, Tschermak e De Vries. Este evento eliminou uma das objeções à teoria de Darwin, a qual afirmava que os fatores responsáveis pelas características se misturavam nos filhos. Mendel demonstrou que os fatores responsáveis pela hereditariedade se separavam de forma independente na formação dos gametas.

Em seguida, De Vries questionou a teoria de Darwin ao afirmar que apenas grandes mudanças, que surgem repentinamente nos organismos, poderiam explicar a evolução. Ele acreditava que as pequenas variações individuais não eram suficientes para originar novas espécies, mesmo com o contínuo trabalho da seleção natural. De Vries acreditava que as novas espécies surgiam de repente de uma espécie anterior, sem nenhuma transição, e por isso atribuía pouca importância à seleção natural.

De Vries chamou essas grandes mudanças de mutações, mas aplicava tal termo apenas para formas novas de plantas com anomalias no número de cromossomos. Foi somente com os trabalhos de Morgan, a partir de 1909, que a expressão "alteração genética" começou a ser usada. Posteriormente, com a elaboração do modelo de gene, que corresponde a um trecho da molécula de DNA, a mutação pôde ser explicada como uma alteração na sequência de bases nitrogenadas do DNA.

Assim, a mutação foi reconhecida como a matéria-prima para a seleção natural, originando novos alelos e produzindo variações fenotípicas.

A teoria atual

A teoria sintética da evolução, também conhecida como Neodarwinismo, é atualmente a teoria mais aceita para explicar a evolução. No entanto, é importante ressaltar que ela não é uma teoria estática e pode ser corrigida e aperfeiçoada com novas descobertas e ideias.

Desenvolvida a partir da década de 1930, a teoria sintética contou com a contribuição de cientistas de vários países, incluindo Ronald A. Fischer, J. B. S. Haldane, Sewall Wright, Theodosius Dobzhansky, George Gaylord Simpson, G. Ledyard Stebbins e Ernst Mayr. Esses pesquisadores trouxeram novas descobertas e ideias que ajudaram a esclarecer pontos obscuros do darwinismo.

A teoria sintética analisa os fatores que alteram a frequência dos genes nas populações, incluindo a mutação, a seleção natural, a migração seguida de isolamento geográfico e reprodutivo, e a deriva genética. Esses processos atuam de forma conjunta e interagem entre si para moldar a evolução das espécies ao longo do tempo.

Variabilidade genética: mutações e reprodução sexuada

As mutações são alterações no material genético de um organismo que podem ser causadas por diversos fatores, como defeitos no mecanismo de duplicação do DNA, exposição a fatores ambientais, como raios ultravioleta e radioatividade, ação de vírus e produtos químicos como benzimidazol, ácido nitroso, hidrazina e gás mostarda. Embora existam enzimas com a função de corrigir erros de duplicação ou reparar os estragos feitos por esses fatores, nem sempre a reparação é possível, uma vez que o mecanismo pode falhar.

Mutação e evolução

Mutação é uma mudança na sequência de bases do DNA, que pode resultar no aparecimento de novas características em um organismo devido à modificação da sequência de aminoácidos da proteína. Essas mutações ocorrem ao acaso e, em princípio, são raras na população. Quando ocorrem em células somáticas, não têm efeito evolutivo, mas, em células germinativas, podem ser transmitidas aos descendentes e gerar novas características.

As mutações podem ser provocadas por diversos fatores, como defeitos no mecanismo de duplicação do DNA, fatores ambientais (como raios ultravioleta e radioatividade), vírus e produtos químicos. Embora existam enzimas que corrigem esses erros de duplicação ou reparam os danos causados por esses fatores, nem sempre a reparação é possível.

Um exemplo de mutação que ocorre em drosófilas é a mutação em genes homeóticos, que controlam o desenvolvimento das partes do embrião e determinam a formação de pernas, antenas e outras partes do corpo. Mutações nesses genes podem levar a moscas com quatro asas ou pernas no lugar de antenas.

Embora a maioria das mutações seja neutra ou desvantajosa, algumas podem trazer vantagens adaptativas em determinados ambientes e ser selecionadas positivamente ao longo das gerações. No entanto, é importante lembrar que uma mutação pode ser vantajosa em um ambiente e desvantajosa em outro.

O acaso das mutações

O conhecimento mais recente sobre o mecanismo do código genético tem comprovado que as mutações ocorrem aleatoriamente. Isso significa que, embora possam ser influenciadas pelo ambiente, a frequência das adaptações resultantes depende da seleção natural.

O aparecimento de uma mutação vantajosa em um ambiente específico não é mais provável de ocorrer nesse ambiente do que em outro onde a mutação pode não ser vantajosa. Além disso, as mutações provocadas por agentes como a radioatividade podem resultar em características novas que não têm relação com as necessidades de adaptação do organismo ao ambiente.

As mutações ocorrem independentemente de seu valor adaptativo. A chance de uma mutação aparecer não é afetada pela vantagem que ela pode conferir ao seu portador. No entanto, se uma mutação vantajosa aparecer, e ser transmitida para um descendente, ela proverá uma vantagem competitiva para o indivíduo que recebeu tal mutação, e o número destes indivíduos com a mutação aumentará ao longo do tempo. Portanto, ao contrário da mutação, a seleção natural não é um processo aleatório: é determinado pelo ambiente. Por isso, a evolução como um todo não ocorre ao acaso.

Reprodução sexuada

Na reprodução assexuada, os filhos são geneticamente idênticos aos pais, exceto por raras mutações aleatórias. Já na reprodução sexuada, a meiose produz uma grande variedade de gametas que, quando combinados por fecundação, geram filhos geneticamente diferentes. Isso ocorre devido ao arranjo aleatório dos cromossomos paternos e maternos e à permutação, que gera novas combinações genéticas. Para a espécie humana, mesmo sem permutação, a meiose pode gerar até 8.388.608 gametas diferentes (223), que combinados promovem uma grande diversidade genética.

Embora a reprodução sexuada não crie novos alelos, ela é crucial para a evolução, pois gera variabilidade genética. Essa variabilidade é essencial para a seleção natural, pois permite que indivíduos mais bem adaptados a um ambiente sobrevivam e se reproduzam com mais sucesso. Sem variabilidade genética, a seleção natural não pode agir e, portanto, a evolução não pode ocorrer.

Seleção natural

Na seleção natural, as características que aumentam as chances de um indivíduo alcançar a idade reprodutiva são favorecidas, levando-o indiretamente ao sucesso reprodutivo. Essas características podem incluir adaptações que aumentam a chance de obter comida, como maior velocidade ou dentes mais fortes, bem como adaptações que ajudam a se defender dos predadores ou a sobreviver às condições físicas do ambiente, como camuflagem ou proteção contra o frio ou a perda de água.

Além disso, fatores que aumentam diretamente a fertilidade do indivíduo também podem ser favorecidos pela seleção natural. Mesmo que o indivíduo sobreviva por menos tempo, ele pode deixar um número maior de filhos do que seu competidor. Também são favorecidas características que facilitam ao indivíduo conseguir um parceiro sexual ou aumentar os cuidados com a prole, aumentando assim a chance de sobrevivência de seus filhos até a idade reprodutiva.

A seleção natural é essencialmente uma reprodução diferencial, em que indivíduos com diferentes genótipos têm sucesso reprodutivo distinto. Essa é uma consequência natural da competição por recursos escassos, que exige que os organismos se adaptem para sobreviver e se reproduzir.

Os cientistas estudaram vários exemplos de seleção natural, que são mais facilmente observados em populações que se reproduzem rapidamente, como bactérias e insetos que atacam plantações. Esses estudos têm nos permitido compreender melhor como a seleção natural funciona e como ela pode levar à evolução das espécies ao longo do tempo.

A resistencia de insetos aos inseticidas

Em uma população de insetos, a reprodução sexuada produz uma grande variabilidade genética devido à alta taxa de mutação. Quando exposta a um inseticida por um longo período, os indivíduos sensíveis morrem e os resistentes sobrevivem e deixam descendentes também resistentes. Com o tempo, a quantidade de indivíduos sensíveis diminui e a de resistentes aumenta na população.

Inicialmente, os indivíduos resistentes são raros. No entanto, quando o inseticida aparece, eles têm maior probabilidade de sobreviver do que os indivíduos sensíveis, que são maioria na população. Consequentemente, os indivíduos resistentes deixam mais descendentes, enquanto os sensíveis morrem antes de se reproduzirem ou deixam poucos descendentes. Com isso, a frequência de indivíduos resistentes aumenta gradualmente, até se tornar predominante na população.

É importante destacar que a mutação que confere resistência ao inseticida já existia na população, mas em baixa frequência. A ação do inseticida apenas selecionou positivamente essa característica e espalhou-a na população. Entretanto, quando a maioria da população se torna resistente, o inseticida se torna incapaz de controlar a população de insetos.

A resistencia das bactérias aos antibióticos

O fenômeno da resistência bacteriana aos antibióticos é semelhante ao da resistência de insetos a inseticidas. Uma mutação genética pode conferir resistência a um antibiótico, permitindo que a bactéria sobreviva e se reproduza em presença da substância. Se o antibiótico não está presente, essa característica não oferece vantagem à bactéria. No entanto, se o antibiótico é usado e mata as bactérias sensíveis, as resistentes aumentam em número na população. O gene da resistência pode ser transferido para outras bactérias, seja por conjugação, seja por meio de bacteriófagos ou pela incorporação de material genético de bactérias mortas.

Por causa desse processo, há hoje várias linhagens de bactérias resistentes a antibióticos, incluindo a penicilina, que começou a ser utilizada na década de 1940.

O bico dos tentilhões

A partir de 1973, os pesquisadores Peter (1936-) e Rosemary (1936-) Grant, ambos biólogos da Universidade de Princeton (Estados Unidos), iniciaram um estudo sobre a evolução do bico dos tentilhões na ilha de Dafne Maior, localizada nas Ilhas Galápagos.

Os pesquisadores observaram que os tentilhões da espécie Geospiza fortis, que se alimentam de sementes do chão, tinham bicos maiores e mais fortes que lhes permitiam abrir e comer tanto sementes grandes como pequenas. Por outro lado, os pássaros com bicos menores só conseguiam comer sementes pequenas. Esse tamanho de bico é uma característica genética, sendo que filhotes de pássaros com bicos grandes tendem a ter bicos grandes também. O tamanho do bico variava de 7 a 12 mm de comprimento.

Durante um período de seca muito forte em 1976-1977, a produção de sementes e a população de tentilhões diminuíram drasticamente. A maioria das plantas que sobreviveram produziam sementes grandes, o que os pássaros de bico pequeno eram incapazes de comer. Consequentemente, a mortalidade entre esses pássaros aumentou durante a seca. Os pesquisadores compararam os pássaros antes e depois da seca e verificaram que, em média, o tamanho do bico havia aumentado na população.

Os Grant também demonstraram que essas espécies descendem de uma linhagem comum que chegou a Galápagos há dois ou três milhões de anos e identificaram o gene Bmp4, que influencia o desenvolvimento do formato do bico.

Anemia falciforme: exemplo de seleção natural na espécie humana 

Em certas regiões da África, a frequência de um alelo que causa a anemia falciforme (ou siclemia) é alta devido à seleção natural. Esse alelo produz uma hemoglobina anormal, que afeta os indivíduos homozigotos que possuem esses dois alelos, levando a anemia e problemas circulatórios que podem ser fatais. No entanto, indivíduos heterozigotos (com um alelo que condiciona a anemia e outro alelo normal) são resistentes à malária e, portanto, apresentam vantagem seletiva em relação aos indivíduos sem alelos para anemia falciforme ou portadores de alelos em homozigose.

A resistência dos heterozigotos à malária ocorre porque o parasita consome o oxigênio da hemácia infectada, facilitando a aglutinação da hemoglobina e a formação de hemácias em meia-lua, que são destruídas pelo baço antes que o parasita complete seu desenvolvimento. A frequência do alelo para anemia falciforme pode diminuir uma vez erradicada a malária, de acordo com a teoria da evolução. No entanto, a erradicação total da malária nas regiões endêmicas é muito difícil. A frequência do alelo para anemia falciforme na população dos Estados Unidos vinda de regiões malarígenas da África diminuiu para 4,2%, em comparação com 12% nessas regiões. Isso sugere que a mudança de ambiente exerceu seleção sobre o alelo para anemia falciforme e diminuiu sua frequência na população.

Seleção sexual

Algumas características são selecionadas e propagadas em uma população por ajudarem os indivíduos a atrair um parceiro sexual. Em algumas espécies, os machos lutam entre si para obter fêmeas e, portanto, características como força física, chifres e garras são favorecidas. Em outras espécies, as fêmeas selecionam os machos com quem acasalar e características que tornam os machos mais atraentes prevalecem, como a cauda vistosa dos pavões.

Malte Andersson, pesquisador da Universidade de Gotenburgo, estudou os hábitos de acasalamento da ave Euplectes progne, também conhecida como viúva-rabilonga. Ele descobriu que as fêmeas preferem se acasalar com machos de cauda mais longa e testou essa hipótese cortando parte da cauda de um grupo de aves e adicionando penas a outro grupo, aumentando o comprimento da cauda. O grupo de controle permaneceu inalterado. Depois de um tempo, Andersson contou o número de fêmeas que acasalaram com os machos de cada grupo e descobriu que os de cauda mais longa acasalaram com mais fêmeas.

Esse processo de seleção de características sexuais que ajudam na reprodução é chamado de seleção sexual. Algumas pesquisas sugerem que características como a cauda do pavão ou o colorido das penas em várias espécies de pássaros e peixes podem sinalizar que o animal está livre de parasitas, tornando-o mais atraente para a fêmea. Isso pode levar a uma escolha de parceiros saudáveis para a reprodução, com filhos que herdarão as características responsáveis pelo sucesso dos pais.

As limitações da seleção natural

Durante certos momentos da história da Terra, houve extinções em massa que resultaram na perda de grandes quantidades de espécies em um curto intervalo de tempo, geralmente entre 10 mil e 100 mil anos em termos geológicos. Essas extinções foram causadas por diversos fatores, como mudanças climáticas, movimentos das placas tectônicas e impactos de asteroides. Durante esses períodos, mesmo as espécies mais adaptadas não estavam garantidas para sobreviver devido às mudanças drásticas e imprevisíveis do ambiente.

As características de uma espécie são em grande parte herdadas de seus antepassados. Por exemplo, as baleias têm pulmões em vez de brânquias porque evoluíram de mamíferos terrestres. Além disso, o fato de usarem movimentos verticais para nadar é devido à herança de uma estrutura óssea e muscular adaptada para a corrida, presente em seus ancestrais terrestres. Portanto, as mutações e a seleção natural atuam em estruturas herdadas de ancestrais, o que limita o potencial de adaptações que podem ser selecionadas em determinado ambiente.

A evolução não deve ser vista como uma escada, em que espécies menos adaptadas são substituídas por outras mais adaptadas. Na verdade, todas as formas de vida atuais surgiram após um longo processo evolutivo que produziu organismos capazes de sobreviver em determinado ambiente e deixar descendentes. Assim, é incorreto afirmar que um mamífero é "mais adaptado" que um réptil, por exemplo. Cada espécie está adaptada a um ambiente e modo de vida específicos.

A história evolutiva das espécies deve ser visualizada como uma árvore, em que cada ramo representa uma espécie atual e suas espécies ancestrais estão abaixo. Através desse processo evolutivo, as espécies mudam e se adaptam ao longo do tempo, mas todas são igualmente importantes para a compreensão da biodiversidade e da vida na Terra.