Interação gênica e pleiotropia

Até agora nós vimos como alelos de cromossomos homologos podem formar uma característica. A partir de agora iremos ver que é possível que genes localizados em cromossomo não homologos podem interagir e resultar em características diferentes das esperadas do monohibridismo e do diibridismo. Existe duas formas de que alelos de diferentes cromossomo podem interagir: a primeira é chamada de epstática e a outra é chamada de pleiotropia. Na interação epstática um alelo de um par de cromossomo impede a expressão de um alelo em outro par de cromossomo. Já a pleiotropia é a capacidade de um único alelo influenciar vários outros alelos diferentes. 

Conceitos gerais

Uma breve introdução para esclarecer que Mendel não foi o único a trabalhar com "genética" na sua época, e ele não fez todo o trabalho sozinho. Na ciência são rarísimos os casos em que são feitas descobertas relevantes por apenas uma pessoa. Os geneticistas William Bateson e Reginald Punnett, em seus trabalhos pioneiros no início do século XX, foram responsáveis por estabelecer os fundamentos da genética moderna e desvendar a interação gênica. Bateson, que divulgou e defendeu os estudos de Mendel na Inglaterra, criou o termo "epistasia" em 1908 para explicar a interação entre genes que inibem a manifestação de outros pares. Ele também cunhou os termos "homozigoto", "heterozigoto" e "alelomorfo", este último abreviado depois para "alelo". Além disso, sugeriu o termo "genética" para o estudo da hereditariedade. Punnett, por sua vez, é conhecido por criar o famoso esquema (quadrado de Punnett) que permite visualizar quais alelos irão ocupar um determinado locus do cromossomo. Ele também publicou em 1905 um dos primeiros livros explicando a genética mendeliana para o público. O título do livro é Mendelism, talvez tenha uma versão em português.

Vamos lá...

A interação gênica ocorre entre alelos de cromossomo que não são homologos. Um exemplo hipotético, ilustrado abaixo, de interação gênica dentre os 21  pares de cromossomos autossomos do Homo sapiens: um alelo no locus p 12.3 do cromossomo 1 expressa a característica v, irá interagir com o alelo localizado no braço q 3.8 do cromossomo 13 que expressa a característica T irá resultar em um fenótipo que não é esperado dos genótipos v e T.

Já na pleiotropia, um único gene afeta várias características diferentes, portanto o alelo p 12.3 do cromossomo 1 que explressa a característica Y irá interagir com os alelos q 14.3 do cromossomo 9 que expressa a característica Z, p 3.4  do cromossomo 18 que expressa a característica  W e p 20.3 domo cromossomo 4 que expressa a característica J.

Existem vários tipos de interação gênica, iremos ver aqui interações epstática, não epstática, herança quantitativa e pleiotropia. 

Sem interação gênica entre alelos de diferentes locus

Com interação entre alelos de diferentes locus

Interação não epistática

A palavra "epistásia" tem origem grega e é composta pelos termos "epi" que significa "sobre" ou "em cima", e "stasis" que significa "posição" ou "condição". Assim, "epistásia" pode ser traduzida literalmente como "posição sobreposta" ou "condição sobreposta". No caso da interação não epistática um alelo interfere no outro sem inibi-lo,  mas modifica a expressão deste outro alelo. 

Bateson e Punnet realizaram experimentos sobre a herança da forma da crista em diferentes raças de galinhas. Existem quatro tipos básicos de cristas: ervilha, rosa, noz e simples. Ao cruzar galos e galinhas com crista rosa e crista ervilha, eles observaram a ocorrência de um terceiro tipo de crista, a "noz", indicando que não havia dominância entre esses alelos. Entretanto, ao cruzar galinhas com cristas "noz", eles obtiveram uma proporção de 9 noz: 3 rosa: 3 ervilha: 1 simples, sugerindo que essa característica era determinada por dois pares de alelos com segregação independente, exatamente como no monoibridismo da primeira lei de Mendel.

É importante destacar que, ao contrário do di-hibridismo, em que duas características são combinadas (por exemplo, cor e forma da ervilha), no caso da forma da crista, apenas uma característica é considerada, a forma da crista. 

Após sucessivos cruzamentos entre os tipos de cristas, eles elaboraram um modelo de interação para a forma da crista em galinhas. Esse modelo demonstrou que os quatro tipos de cristas são determinados por dois pares de alelos, em que a presença do alelo E (dominante) condiciona a crista de "ervilha" e a presença do alelo R (dominante) condiciona a crista "rosa". Quando ambos os alelos dominantes estão presentes, ocorre uma interação gênica e a crista é do tipo "noz", enquanto a ausência de ambos os alelos resulta na crista "simples".  Então quando um genótipo formando por alelos dominantes (ER) não ocorre a codominância como no caso do sistema ABO. No caso das cristas de galo um alelo dominante interfere no outro alelo dominante dando origem a um terceiro fenótipo. 

Veja no quadro a seguir os fenótipos e os genótipos possíveis para a forma da crista: 

Nesta ilustração esta representado o que esperaríamos ver caso houvesse codominância entre o alelos E e R de um cruzamento na geração F1

Nesta ilustração esta representado o que a interação não epstática entre os alelos E e R de um cruzamento expressão na geração F1

Na ilustração abaixo, representando a geração F2 proveniente do autocruzamento entre indivíduos da geração F1, podemos observar que o traço que aparece em alguns genótipos indica que o alelo presente pode ser dominante ou recessivo e não interfere no fenótipo resultante. Então a interação genica ocorre entre alguns alelos e não ocorre entre outros alelos.

Olhando para a ilustração acima vemos que ainda existe a proporção de 9:3:3:1 na geração F2, as possíveis explicações para obtermos essa proporção dos fenótipos são:

Novamente; a presença dos alelos E e R resulta em um fenótipo distinto daquele observado quando somente um dos alelos está presente (E ou R) e não ocorre codominância quando os dois estão presente. Esse tipo de interação é conhecido como não epistático ou ainda herança complementar. Podemos concluir que a não epistásia é a interação entre alelos diferentes sem que haja a inibição do fenótipo, ainda assim os alelos recessivos não interferem na expressão fenotípica dos alelos dominantes. Por isso a proporção fenotipica 9:3:3:1 se mantém memo havendo interação entre os alelos.

Interações epistáticas 


Se dentre as interações genicas a não epistásia é a interferencia dentre alelos sem haver inibição de um deles, a epistásia é a inibição de um alelo sob o outro. A inibição dos alelos ocorre de formas diferentes entre as diferentes situações, veja as esplicações abaixo.

Epistásia recessiva


Aepistásia recessiva ocorre quando ha homozigoze recessiva.

A cor do pelo de camundongos é influenciada por vários pares de alelos. De maneira simplificada, o alelo dominante A produz o padrão aguti, em que o pelo é preto com uma faixa amarela, resultando em uma tonalidade marrom-acinzentada. O alelo a, por sua vez, determina o pelo preto uniforme. A presença de um alelo de outro gene, C, é uma condição indispensável para a formação de qualquer pigmento. Em dose dupla, o alelo c é epistático em relação aos alelos A e a, resultando na formação do pelo albino. Portanto, os animais aacc e A_cc são albinos.

Quando se cruzam dois indivíduos homozigotos e, em seguida, indivíduos duplo heterozigotos, é obtida uma proporção de 9 aguti, 3 pretos e 4 albinos. 

Epistásia dominante


A epistasia dominante ocorre quando um alelo dominante impede o efeito de um alelo de outro gene. 

Um exemplo de epistasia dominante é o que acontece com a cor das penas em certas raças de galinhas. Um alelo epistático I inibe a manifestação de um alelo de outro par, situado em outro cromossomo, o alelo C, responsável pela produção da cor. O alelo i não tem efeito inibitório e o alelo c não produz a cor. 

Observe abaixo o resultado do cruzamento entre um galo da variedade Leghorn, de genótipo CCLL resultando em um fenótipo de cor branca, com uma galinha da variedade Wyandotte, de genótipo ccll também com um fenótipo de cor branca. 

A proporção fenotípica é de 13/16 brancas para 3/16 coloridas. 

Herança quantitativa


No caso de interação, dois ou mais pares de alelos podem somar ou acumular seus efeitos, resultando em uma variedade de fenótipos gradualmente distintos. Essa forma de herança é conhecida como herança quantitativa. Além disso, essas características geralmente são altamente influenciadas por fatores ambientais, o que aumenta ainda mais a variação fenotípica. Isso significa que, ao contrário das características estudadas por Mendel, que apresentavam variação descontínua, a variação nas características poligênicas é contínua.

Muitas características no ser humano, nos animais e nas plantas resultam de herança quantitativa e apresentam variação contínua. Alguns exemplos incluem a cor das sementes de trigo, o tamanho dos ovos de galinha, o volume de leite produzido por vacas, a cor da pele, a altura e o peso em seres humanos.

Inicialmente, um modelo para explicar as variações na cor da pele da espécie humana foi proposto, mas agora sabemos que esse modelo é falso. Esse modelo partia da hipótese de que a cor da pele seria resultado da ação de dois pares de alelos com efeitos cumulativos.

Os alelos representados por letras maiúsculas eram considerados efetivos ou aditivos, pois eles condicionavam uma maior produção de melanina. Quanto maior o número de alelos com letras maiúsculas, mais escura seria a pele. De acordo com esse modelo simplificado, o indivíduo AABB teria a maior quantidade de melanina, resultando na cor da pele chamada de preta, enquanto o indivíduo aabb teria a menor quantidade de melanina, resultando na cor da pele chamada de branca. Os alelos a e b contribuem apenas para formar uma quantidade mínima da substância e não são aditivos (a ausência total de melanina é condicionada por uma mutação em outro gene independente dos genes em questão).

Os indivíduos AaBb, AAbb e aaBB teriam a mesma quantidade de pigmento e a cor da sua pele seria chamada de parda. Já os indivíduos aaBb e Aabb teriam apenas uma dose de pigmento, resultando em uma cor de pele um pouco mais clara que a parda, enquanto os indivíduos AABb e AaBB teriam três doses de pigmento, resultando em uma cor de pele um pouco mais escura que a parda.

Na verdade, há uma ampla variedade de tonalidades de pele devido a diversos fatores, incluindo a exposição ao sol. Além disso, a produção de melanina envolve vários genes, cada um com vários alelos, tornando o modelo simplificado de dois pares de alelos inadequado. Se houvesse apenas três pares de alelos, a proporção fenotípica na segunda geração seria 1:6:15:20:15:6:1, o que incluiria dois fenótipos intermediários entre a pele preta e a pele parda e entre a pele branca e a pele parda. Uma proporção de 1/16 de filhos com um dos fenótipos extremos indica que dois pares de alelos estão envolvidos, enquanto uma proporção de 1/64 indica três pares de alelos em jogo. 

Cálculos de genótipos e fenótipos na herança quantitativa

A partir do número de pares de alelos envolvidos, podemos calcular o número de classes genotípicas e fenotípicas que resultam da união de dois indivíduos heterozigóticos para todos os genes envolvidos. Quando uma característica é condicionada por dois pares de alelos, são formados cinco tipos distintos de fenótipos. Se forem três pares de alelos, teremos sete tipos de fenótipos. De modo geral, o número de fenótipos possíveis será o número total de alelos mais 1. Com essa relação, também podemos calcular o número total de alelos se soubermos o número de classes fenotípicas. Por exemplo, se houver sete fenótipos, teremos n + 1 = 7, o que significa que n = 6, havendo, portanto, três pares de alelos envolvidos nessa herança.

Para calcular o número de classes genotípicas (diferentes combinações de alelos), usamos a fórmula: 3n, em que n é o número de pares de alelos. Se soubermos a proporção de um dos fenótipos extremos, podemos calcular o número de pares de alelos pela fórmula: proporção do fenótipo extremo = 1/4^n (em que n é o número de pares de alelos). Por exemplo, se na F2 o número de indivíduos com tonalidade máxima ou mínima de pele for 1/16, teremos 1/4^2, o que indica que há dois pares de alelos envolvidos. Se a proporção for de 1/64, a fórmula é 1/4^3, e estão em jogo três pares de alelos. Para uma proporção de 1/256, estão em jogo quatro pares de alelos: 1/4^4.


A cor dos olhos

O mesmo pigmento marrom (melanina) que dá cor à pele é encontrado em duas camadas da íris: uma mais superficial; outra mais profunda. Os olhos escuros possuem maior quantidade de melanina na camada mais superficial. Nos olhos claros, essa quantidade é bem menor. A cor da íris é resultado de uma interação de pelo menos 16 genes, em um processo que ainda está sendo decifrado. A interação acontece porque a produção de melanina envolve uma série de transformações reguladas por várias enzimas. Nessa série são produzidas duas classes de melanina: a eumelanina, de cor acastanhada ou preta, e a feomelanina, de cor avermelhada ou amarelada. Os genes que parecem ter maior influência na quantidade e no tipo de melanina produzidos são identificados pelas siglas OCA2 e HERC2. Esses dois genes estão em posição adjacente no cromossomo 15. O gene OCA2 codifica uma proteína na membrana da célula que interfere na quantidade de melanina depositada nos melanócitos. Uma mutação nesse gene ocasiona uma forma de albinismo (albinismo oculocutâneo tipo II). Em termos simplificados, os alelos do gene OCA2 possuem dominância incompleta, condicionando olhos mais escuros e olhos mais claros. Um alelo do gene HERC2 inibe a expressão do OCA2. 

A interação epistática permite compreender por que duas pessoas de olhos azuis, por exemplo, podem ter filhos de olhos castanhos. Uma delas pode ser hhOo, em que os dois alelos recessivos do gene HERC2 (hh) inibem a produção de melanina do alelo O do gene OCA2. O alelo O é responsável por olhos castanhos. A outra pode ser Hhoo, com dois alelos o que condicionam olho azul. Nesse caso, há 25% de chance de um dos filhos ser HhOo e ter olhos castanhos. A cor dos olhos de um bebê pode mudar, pois, ao nascer, ele ainda não produziu toda a melanina possível. A exposição à luz desencadeia essa produção e, até os três anos de idade, a íris já acumulou a quantidade total de melanina que ele pode produzir. Em alguns casos raros, uma pessoa pode ter olhos de cores diferentes. Esse fenômeno, chamado heterocromia, pode ter várias causas; por exemplo, alguma inflamação ou trauma local durante o desenvolvimento embrionário ou algum problema genético que provoca a falta de expressão do gene nessa região.

Pleitropia


Em muitos casos, um único gene pode ter um efeito simultâneo em várias características do organismo. Esse gene é conhecido como pleiotrópico e o fenômeno é chamado de efeito pleiotrópico, pleiotropismo ou pleiotropia (pleîon = mais; tropé = mudança de direção). É importante destacar que esse efeito é contrário ao da interação gênica, em que dois ou mais pares de genes influenciam o mesmo tipo de característica.

Em termos moleculares, um gene produz apenas uma enzima, mas a presença ou ausência dessa enzima pode ter várias consequências no organismo.

Um exemplo de pleiotropia é a síndrome de Marfan, causada por uma mutação no gene FBN1 (fibrilina 1), que produz fibras elásticas anormais no tecido conjuntivo, uma vez que o gene atua na síntese de uma proteína dessas fibras, a fibrilina. Como o tecido conjuntivo está distribuído em várias partes do corpo, a pessoa pode ter problemas nos vasos sanguíneos, ossos, olhos e outros órgãos. O nome da síndrome é uma homenagem ao pediatra francês Antoine Marfan (1858-1942), que a descreveu pela primeira vez em 1896.